sexta-feira, 20 de março de 2009

A Desconcentração Industrial

A ‘descentralização” industrial – Milton Santos

A partir dos anos 70, impõe-se um movimento de desconcentração da produção industrial, uma das manifestações do desdobramento da divisão territorial do trabalho no Brasil.

Entre 1970 e 1980,o número de estabelecimentos industriais rio Brasil cresceu 184,52%, enquanto o valor da transformação industrial aumentou 537,70% e o pessoal ocupada, 98,39%. Todavia, a partir dos anos 8 há um decréscimo do número de estabelecimentos industriais (—11,84% entre 1980 e 1990), graças, em boa parte, ao processo de concentração da propriedade industrial (agravado pelos progressos da automação) e a uma desaceleração no crescimento do valor da transformação industrial. Eram 69.271 estabelecimentos industriais em 1970, que empregam 2.421345 pessoas e rendiam 11.464.204.629 dólares, 201.813 estabelecimentos em 1980, com 4.804.409 empregados e 73.107.204.076 dólares e 177.915 estabelecimentos cm 1990, com 6.907.993 pessoas e 94.336.610.047 dólares. O planejamento econômico e regional estimulou a instalação de pólos de fabricação mediante fortes incentivos governamentais, como é o caso dos tecnopolos (Luiz Cruz Lima, 1994).

A produção industrial toma-se mais complexa, estendendo-se sobretudo para novas áreas do Sul e para alguns pontos do Centro-Oeste, do Nordeste e do Norte (Manaus). Paralelamente, as áreas industriais já consolidadas ganham dinamismos diferentes dos que definiram a industrialização em períodos anteriores.

Número de estabelecimentos, pessoas ocupadas e valor da transformação industrial apontam alguns indícios do fenômeno de desconcentração. Reunindo 62,32% dos estabelecimentos da indústria de transformação do país em 1970, a região Sudeste passou, dez anos mais tarde, a ter 48,75% do total. Todavia, se a participação relativa do Sudeste quanto ao ,número de estabelecimentos após 1980(60,26% do total nacional em 1990), o valor da transformação industrial mantém a tendência à queda relativa já mostrada na década de 1970 (80,97% do total em 1970 e 71,14% do total cm 1990).A participação do Sudeste em relação ao total de pessoas ocupadas na indústria do país cai de 71 ,02% em 1970 para 49,75% em 1990.

O Sul desponta como a regiã ganhadora nesse rearranjo do trabalho industrial no Brasil, pois aumenta, entre 1970 e 1990, o número de estabelecimentos (de 14.534 para 43.969), número de pessoal ocupado (de 358.100 para 2.520.493) e o valor da transformação industrial (de 1.343.666.303 dólares para 15.299.863.312 dólares). Em 1970, enquanto essa região acolhia apenas 14,79% do pessoal ocupado do pais, Sã Paulo concentrava 50,97%. Vinte anos depois, São Paulo reunia 35,35% do emprego industrial e a região Sul, que já havia ultrapassado esse umbral, ostentava 36,49% do total nacional.

A região Centro-Oeste começa a ter um papel no quadro industrial, abrigando várias etapas da cadeia produtiva das mais poderosas agroindústrias sulistas evidenciando também a alta conccntração de capitais e automação dos processos produtivos. Em 1970 ela reunia apenas 2,86% dos estabelecimentos industriais do Brasil para, depois de um aumento nos anos 80, decrescer em 1990, registrando 4,55% do total nacional. No entanto, se o número de pessoas empregadas na indústria dessa região é o menor do Brasil, os valores de transformação industrial apontam para um extraordinário crescimento nesses vinte anos (mais de 14 vezes entre 1970 e 1980 e quase três vezes entre 1980 e 1990).

Apesar da evolução positiva dos números absolutos, o Nordeste, onde se instalaram muitas indústrias modernas, mostra urna queda na repartição de estabelecimentos industriais no país (20,36% do total nacional em 1980 e 8,54% em 1990) na distribuição nacional do emprego industrial (13,35% do país em 1989 e 9,64% dez anos depois) e uma estagnação no seu valor de transformação industrial em relação às outras regiões. Esse valor correspondia, em 1990, a cerca de 11% do valor do Sudeste e era quase equivalente ao do Estado do Rio de Janeiro.

A região Norte mostra recentemente uma diminuição do número de estabelecimentos (1.442 em 1970, 7.097 em 1980 e 3.460 em 1990) e um crescimento do número de pessoas ocupadas (passa de 35.262 em 1970 para l24.776 em 1980 e 155.695 em 1990) e, também, do valor de transformação mundial. Sua participação relativa, no conjunto do Brasil, manteve-se baixa quanto aos mencionados indicadores nessas duas décadas.

A desconcentração industrial deve ser analisada com especial atenção no Estado de São Paulo (Sandra Lencioni, 1991). Entre 1970 e 1990, o número de estabelecimentos e o valor da transformação industrial crescem significativamente no interior do Estado. Enquanto em 1970 a Região Metropolitana reunia 36,09 %, o município de São Paulo 28,94% e o interior apenas 6,95% do total nacional de estabelecimentos industriais, duas décadas mais tarde as participações respectivas eram de 21,95%, 9,23% e 15,26%. Situação semelhante é a do valor de transformação industrial. Nesse mesmo intervalo, a participação da Região Metropolitana de São Paulo caiu de 45,29% para 31,13%. e a do município passou de 28,39% para 16,01%, ao tempo em que a do interior aumentou de 13,13% para 21,70%. Todavia, quanto às pessoas ocupadas na indústria, diminui substancialmente a participação relativa do Estado de São Paulo no total nacional, como também a da Região Metropolitana, do município e do interior do Estado.

Em virtude da modernização dos equipamentos e da remodelação dos arcabouços normativos (impostos, isenções, sindicatos etc.), dados técnicos e dados políticos articulam-se para determinar a instalação de fábricas no interior do Estado de São Paulo, muitas delas vinculadas ao desenvolvimento de uma agricultura moderna (Olga L. C. de E Firkowski e Silvia S. Sampaio, 1992). Todavia, embora tecnologicamente mais avançadas, as indústrias interioranas acabam por oferecer menos emprego.

A nova divisão do trabalho industrial é acompanhada de uma nova repartição geográfica. Em tantos como metalúrgica, mecânica, material elétrico e comunicação, transportes, papel e papelão, industria química e produtos de materiais plásticos, a maior concentração dos estabelecimentos é, ainda, na região Sudeste, seguida pela região Sul. A indústria da madeira revela sua mais forte presença nas regiões Sul e Norte, seguidas pelo Sudeste, enquanto o setor farmacêutico e veterinário localiza-se, sobretudo, no Sudeste e no Nordeste, Considerando-se o total dos grandes estabelecimentos do país entre 1970 e 1994, o Sul aumentou sua participação relativa nos gêneros de papel e

papelão, mecânica, material elétrico e comunicação, transportes, madeira e produtos de materiais plásticos.

Evidenciando a reorganização industrial na Região Concentrada, os Estados sulinos e o interior do Estado de São Paulo ganham com a emigração de estabelecimentos da Região Metropolitana de São Paulo, com a criação de novas indústrias e, paralelamente, com a concentração-dispersão do valor da transformação industrial. A automação industrial é, outrossim, responsável pela queda do emprego industrial, sobretudo nas indústrias que nascem modernas nessas “fronteiras internas” da área core do país. Por outra parte, as fronteiras agropecuárias modernas do Centro-Oeste tornam-se agora novas fronteiras industriais, “externas” à Região Concentrada, e abrigam um número pequeno de poderosas indústrias.

Com a globalização, o país busca tornar-se viável ao enraizamento dos grandes capitais. Adaptam-se as condições de regulação da economia e do território e, paralelamente, dá-se uni esforço para reequipar algumas áreas. Assim, holdings nacionais e globais irão desenhar suas topologias no território brasileiro, mantendo, porém, seus centros de comando nas regiões Sudeste e Sul do país e, por vezes, também na Bahia. Em 1996, 263(52,6%) das quinhentas maiores empresas privadas do Brasil localizavam suas sedes em São Paulo, 59 (11,8%) no Rio de janeiro e as demais no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia, Santa Catarina e Paraná.

Considerando as sedes das quinhentas empresas lideres, verifica-se também, entre 1974 e 1996, uma queda relativa dos Estados de São Paulo (64,4% para 52,6%) e Rio de janeiro (16,4% para 11,8%), em favor de um aumento da participação do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Bahia. Aqui, trata-se menos de uma deslocalização dos escritórios das grandes empresas e mais de uma re-hierarquização dessas firmas em função de suas vendas.

O crescimento de indústrias de alimentos como Sadia e Ceval, que não estavam entre as maiores em 1974, torna a região Sul um locus de grandes empresas. Por outra parte, as novas políticas territoriais da indústria automobilística sao responsáveis também pela difusão das sedes empresariais dentro da Região Concentrada: Fiat Automóveis em Minas Gerais, Volvo do Brasil no Paraná e no Rio Grande do Sul, Randon, Marcopolo e Albarus. Minas Gerais surge, historicamente, como o lugar da siderurgia, com Usiminas, Alcoa, Acesita, Açominas, Belgo-Mineira, Mannesmann, e da mineração, pois abriga seis das vinte maiores empresas do ramo, entre elas a Magnesita, a Samarco Mineração e a CBMM. Goiás salienta-se neste último setor com as firmas SAMA e Codemin. O Sul destaca-se também pelas confecções, com empresas como Azaléia, Grendene, Dakota, Brochier e Calçados Ortopé, no Rio Crande do Sul, e Hering Têxtil S.A, Marisol e Sulfabril em Santa Catarina.

Contando somente com seis empresas líderes em 1974, a Bahia passa a acolher 23 em 1996. O desenvolvimento do setor petroquímico, a partir das novas possibilidades técnicas e das novas regulamentações para a exploração, é certamente um dos fatores que permitem explicar esse crescimento. Esse Estado é sede de firmas do setor, como Copene e CPC. O Estado do Amazonas, que passou de três localizações em 1974 para 13 em 1996, caracteriza-se pela polarização das empresas eletroeletrônicas na Zona Franca de Manaus,

Corporações vinculadas ao turismo e empresas do setor têxtil e confecções, graças a incentivos fiscais, localizam-se em várias cidades nordestinas. As grandes redes de supermercados, conto o Carrefour e o Pão de Açúcar, espalham-se pelo país todo, evidenciando a difusão de um novo padrão de consumo que se entrelaça com um novo padrão de produção e comercialização de alimentos.

Em processo de privatização, mais ou menos completo segundo os lugares, as maiores empresas fornecedoras de serviços públicos distribuem-se pelos Estados mais densamente povoados: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Bahia e, certamente, o Distrito Federal, mas também Ceará e Goiás. São, sobretudo, as empresas de energia elétrica, petroquímica e telecomunicações.

O Rio de Janeiro reserva-se o comando de várias das mais importantes corporações do Brasil, como a Companhia Vale do Rio Doce, a IBM do Brasil e, no setor de exploração e distribuição de petróleo, a Petrobrás, a Shell, a Ipiranga, a Texaco e a Esso, No ramo de bebidas e fumo, essa cidade acolhe a Souza Cruz e a Coca-Cola e, no setor de confecções, De Millus, Du Loren e Triumph International. As principais indústrias farmacêuticas, quase todas de controle acionário estrangeiro, repartem-se entre Rio de Janeiro e São Paulo.

A diversificação da estrutura industrial paulista observa-se, igualmente, nas empresas líderes. Poderíamos mencionar algumas firmas no setor de automóveis e peças: Volkswagen, GM, Mercedes-Benz, Ford, Bosch, Scania, Iochpe-Maxion, Cofap, Toyota, ZF, BMW, TRW, Metal Leve, Freios Vargas e Cumins do Brasil; no gênero de alimentos: Nestlé, Copersucar, Santista Alimentos, Cargill, Perdigão, Parmalat, RMB, Kibon, Leite Paulista, Quaker, Lacta, Danone e J.B. Duarte; em bebidas e fumo: Philip Morris, Coca-Cola/Spal, Antarctica Paulista, Kaiser, Schinchariol, Antarctica Niger, Brahma/Astra, Heublein e Coca-Cola/Ipiranga; em eletroeletrônica: Multibrás, Philips, NEC, FIC, Pirelli Cabos, Ericsson, Siemens, Microlite, Arno, Singer, BS Continental e Alcatel; mecânica: ABB, Industrias Villares, Voith, General Eletric, Krones e Romi; e química e petroquímica: Basf, Hoechste, Rhodia, Bayer, Kodak Brasileira, Petroquímica União, 3M do Brasil, Ciba e Dupont. E em ramos de alta tecnologia, como a computação, o estado de São Paulo sedia a Compaq, Hewlett Packard Brasil, Personal Computer Company, SID, IVIX, ABC Bull, CPM Computadores, Procomp Eletrônica, Ner, Dismac, Microtec, Fujitsu, AT&T, Itec, Sisco e Daruma. Das vinte maiores do setor, 17 localizam-se na capital paulista. Segundo pesquisa feita pela Secretaria de Política de Informática e Automação em 1997, para uma amostra de 589 empresas de softwares no Brasil, 116 (19,7%) tinham sua matriz no estado de São Paulo e 83 (14,1%) em Minas Gerais, e em terceiro lugar vinham Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina. A partir das ofertas dessas empresas, podem-se observar a especialização e informatização do trabalho global, nacional e local na área financeira, de administração, contabilidade, automação comercial, industrial e de escritórios, administração de recursos humanos, gerenciamento de informações, bancos de dados, comunicação de dados, saúde e educação, multimídia e controle de qualidade e de processos, agropecuária, construção, telecomunicação, lazer, geoprocessamento e marketing, entre outros.

Um comentário:

Cesar Elias disse...

Topicos mais especificos ajudariam... :D